Quando o
assunto for animais abandonados, você estará se aventurando ,
inevitavelmente, no lado mais sombrio, misterioso e
incontrolável da natureza instintiva, tanto do indivíduo quanto
da coletividade. Aquele lado que, se e quando se manifestar,
o fará sempre através de paroxismos, provocando ou tragédias ou
milagres, desvendando todo o espectro do comportamento humano:
do mais torpe ao mais sublime.
Com animal
abandonado não há meio termo. Ou bem você nega, ou bem você
mergulha de cabeça. Ou bem você salva, resgata, recolhe, com
o risco da própria vida, ou bem você deixa morrer.
E em
torno dos animais abandonados vai sempre se aglutinar uma
população paradoxal de humanos , composta de mártires e
de carrascos. Em torno deles, os animais abandonados.
Encontraremos o antagonismo primeiro: a vida contra a
morte.
E é
dentro de de cada animal deixado prá lá, que encontraremos a
nossa perdida inocência.
É nos
olhos de cada animal abandonado que reencontraremos o espelho
da nossa primeira - inevitável e definitiva - rejeição.
Aquela que, da mais tenra infância acompanhará cada um de nós
até o túmulo.
Ao
socorrer os animais abandonados - dos seres vivos , os mais
excluídos - uma sociedade estará tentando restabelecer o elo
com o mítico paraíso perdido, estará tentando resgatar o estado
de graça original , através da redenção dos seus mais negros
pecados, aqueles cometidos contra a sua própria
natureza.
A
impossibilidade real de acolhe-los - todos os animais
abandonados- resume o absurdo da existência , e é a prova da
cisão primeira, essencial e inevitável.
Se fosse
possível socorrer os animais, talvez fosse possível chegar a
Deus.