Da
intenção, do objeto e da importância
Até hoje,
depois de estarmos há 30 anos envolvidos com os animais urbanos
abandonados, não vimos um só indivíduo que o tivesse feito em
profundidade sem que para issonão tivesse que abdicar de seu
equilíbrio ou de seus bens pessoais ou de sua saúde, em suma,
de sua felicidade e de sua vida.
A
Proteção Animal já fez centenas de milhares de mártires
anônimos entre bichos e homens. Que o martírio deles não tenha
sido em vão e que nós consigamos – pelo menos no Rio de
Janeiro, por enquanto – proteger os animais, tornando a vida
deles e a nossa possível e feliz.
Nosso
Objeto – o animal urbano e os homens: aqueles que os brutalizam
e aqueles que os protegem – é Dantesco e Dostoievskiano: O
Horror e a Paixão. Defender os animais é descer ao inferno. É
ter de suportar a grande tortura que a impotência para proteger
o mais fraco representa. Os que tentam defender os animais
urbanos – o lixo vivo da cidade – são como as mães que tentam
alimentar seus filhos com tetas secas. A doação extrema e a
impotência extrema. A impossibilidade de usar o maior tesouro
de que uma Sociedade dispõe: a Compaixão.
Nossa
Matéria Prima – o sofrimento: o fraco torturado e os que por
ele se compadecem. Nossa lidança é com o horror, a angústia, o
fedor, a sujeira, o estupro, o sangue, a morte, as feridas, os
abusos, as amputações, a fome, o frio, o abandono, as
separações traumáticas, a violência moral.
Nosso
Objeto – a exclusão, a grande praga que assola a
Humanidade.
Temos a
certeza de que o Homem começa a morrer no momento em que exclui
os bichos. Considerado o Lucro como a grande meta e situado o
Animal como produtivo ou não produtivo – incluído enquanto
produtivo, eliminado enquanto não produtivo – foi esquecida a
dimensão do afeto, o ingrediente capaz de unir os homens para
além da produtividade que os relacionamentos podem gerar. E é
aí que reside o erro essencial. Parafraseando Milan Kundera,
“a verdadeira bondade do homem só pode se manifestar
com toda a pureza, com toda a liberdade, em relação àqueles que
não representam nenhuma força. O verdadeiro teste moral da
humanidade (o mais radical, num nível tão profundo que escapa a
nosso olhar) são as relações com aqueles que estão à nossa
mercê: os animais. É aí que se produz o maior desvio do homem,
derrota fundamental da qual decorrem todas as
outras”.
Derrotados,
reprovados neste teste, fundamos o império da exclusão e a
ponta mais podre da exclusão social é o bicho, o Lixo Vivo da
Cidade. Se encararmos a exclusão como uma cauda, como o que vem
atrás na estrutura da Sociedade, o bicho é a ponta do rabo que
já necrosou. Só que, em torno dessa ponta necrosada, há uma
quantidade enorme de humanos que sofrem por eles e com eles, os
Bichos. É uma quantidade enorme de pessoas, heróicas todas, que
fazem um trabalho ciclópico de proteção. Muitas delas pobres,
reiterando a enorme afinidade que existe entre os pobres e os
bichos, deixam de comer para alimentar os animais abandonados.
Não fazem parte de nenhuma Sociedade de Proteção, não têm nem
almejam ter nenhum reconhecimento social. Ao contrário. Agem
nas sombras. São anônimas, silenciosas, atuam na calada da
noite ou nas primeiras horas da madrugada, chova ou faça sol,
escondidas muitas vezes até dos próprios familiares. Mas são
poderosíssimas porque têm a força da Conspiração: Agem por
convicção e por inevitabilidade: para elas seria impossível não
fazer o que fazem.
A
Secretaria de Defesa dos Animais é a Força Política que vem
responder à antiqüíssima e universal angústia social gerada
pela Exclusão e que começa pelos Bichos, como já o sabia
Francisco de Assis.
Sua
Importância é essa e é o “quantum
satis”.
E quanto
àqueles falsos humanistas ou neo-cartesianos que se levantam
contra ela – a Secretaria dos Animais – deixemos que se
levantem à vontade, eles são muito pequenos, eles não têm
nenhuma importância. Preferimos a companhia de, entre outros,
Leonardo da Vinci, Gandhi, Thomas Jefferson, Bernard Shaw, José
Saramago, Tolstoi, Milan Kundera, Carlos Drummond de Andrade,
Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Voltaire, Baudelaire,
José do Patrocínio, Eça de Queiroz, Machado de Assis, Carl
Gustav Jung, Sigmund Freud, Nise da Silveira, Wagner, Albert
Schweitzer, Nietzche, Albert Einstein, Lamartine, Victor Hugo,
Emile Zola, Darwin, Humboldt, Bismarck, Abraham Lincoln,
Pitágoras e Lya Cavalcanti que, tenho certeza, fariam deles as
palavras do nosso Guimarães Rosa: